A artista canadense vencedora do Grammy, ALESSIA CARA, está de volta com um novo álbum e uma nova perspectiva sobre a fama, os fãs e cura.

Há um vídeo no Instagram da Alessia Cara que funciona um pouco acima de um simples post de redes sociais. Postado alguns dias após o lançamento duplo de “Shapeshifter” e “Sweet Dream” — parte de seu primeiro álbum desde The Pains of Growing em 2018 — o vídeo leva o espectador através de seu processo de composição com detalhes íntimos. Vestindo um moletom enorme do Grey + Sloan Memorial Hospital e com seus longos cachos marrons amarrados em um coque bagunçado, Cara trabalha através da mecânica de uma melodia com o produtor Jon Levine, às vezes do lado de um piano ou com um violão na mão. Ela desabafa algumas reflexões e, eventualmente, adormece. Não nenhum momento de nervosismo ou de criar memes nesses 9 minutos e 15 segundos. Assistir é quase como tropeçar em um programa lento de TV ou cair num buraco cheio de vídeos ASMR excêntricos. É obviamente parte de uma campanha de marketing, mas se alinha com o mito dos “1.000 fãs verdadeiros” — a teoria de que você pode ganhar a vida como um criador se você tem 1.000 pessoas que realmente acreditam em seu trabalho.

Este vídeo foi apenas um dos muitos lançados para complementar o lançamento de seus novos singles. Variando de um single brincalhão autodepreciativo para inconscientemente sincero, todos foram muito produzidos e servem como extensas notas. A abordagem está em contraste com o ecossistema musical de hoje, em que o sucesso de músicos de alto nível depende de uma marca pessoal facilmente identificável, criação de conteúdo rápido e a habilidade de fabricar viralidade em 15 segundos ou menos.

“Sinto que é muito fácil para os artistas se sentirem descartáveis, especialmente os artistas que, como eu, não estão lançando conteúdo o tempo todo”, diz Cara pelo Zoom em um elegante e iluminado condomínio na infalivelmente moderna Queen Street de Toronto. “Eu não sou realmente boa no lado influente da internet, então eu me sinto muito sortudo que eu ainda sou capaz de ter uma voz e um lugar neste mundo.”

Não há dúvida de que, nos últimos seis anos, a Cara cimentou o seu lugar na indústria da música. Em 2013, como plataformas como o YouTube estavam derrubando a barreira entre artistas e públicos e substituindo o trabalho dos tradicionais A&R como a ferramenta mais eficaz para descobrir novos artistas, os covers de Cara de Amy Winehouse e The Neighbourhood chamaram a atenção da criadora de estrelas icônicas, Def Jam. Nos anos que se seguiram, singles como “Here” e “Scars to Your Beautiful” lhe dariam uma reputação de saltitante, epirituosos hinos “anti-festa” que fazem perguntas sobre a legitimidade de experiências tanto rotineiras quanto onipresentes, como por exemplo se um papo furado de festa é digno de sua sincera concentração, porque o quebrar de um coração opera em seu esquema abatido e — a sempre presente no trabalho de Cara — porque crescer será sempre um trabalho árduo de horário integral.

Em 2018, Cara teve uma série de shows em estádios, colaborações com Logic, Zedd e Khalid e colocações de músicas de alto perfil em filmes de sucesso. Quando ela fez história como a primeira artista canadense a ganhar um Grammy de Artista Revelação, parecia logicamente a próxima fase de sua carreira. Mas empilhar uma lista impressionante de elogios é diferente de descobrir como saborear suas realizações sem ser muito crítico de si mesmo. Cara teve de negociar encontrar estabilidade enquanto a sua estrela continuava a ascender.

“Quanto mais os olhos estão sobre você, mais exposto você está para o mundo”, diz ela. “Você fica sobrecarregado quando há mais pessoas dependendo de você. À medida que envelheço, estou a aprendendo a dizer não e a tomar conta de mim.”

Para seu terceiro álbum, In the Meantime, com lançamento para 24 de setembro, Cara continuou a construir uma prática bem aperfeiçoada de usar suas próprias experiências para inspirar a criatividade. O resultado é uma obra indicativa de uma artista que nunca parou de tentar entender o mundo ao seu redor com humildade e precisão. Conversamos com Cara sobre a sua inspiração musical, aprendendo a curar-se e a tornar-se ela própria, como pessoa e como artista.


Você consegue identificar o momento exato que você encontrou algo importante o suficiente para dedicar um álbum inteiro?

O ímpeto foi um monte de desafios mentais e emocionais pelos quais eu estava passando. Eu estava em uma situação de crise existencial, até mesmo antes da pandemia, e comecei a me sentir super perdida. É difícil encontrar seu propósito quando seu propósito depende da comunicação. Porque quando é tirado de você é tipo, ‘Bom, para que eu sirvo?’. Eu não tenho costume de ficar só este tempo todo, e tive de encarar muitas coisas que achei que tinha superado mas que na verdade só estava suprimindo. Eu escrevi todas essas músicas por necessidade, para por meus sentimentos para fora. Então eu percebi: ‘Ok, eu acho que isso poderia ser um projeto completo.’

Parece que havia um monte de emoções com as quais você teve que aprender a lutar. Como isso influenciou em seu processo?

Muitas músicas vieram de um expurgo de emoções, e muita da confiança veio de entender quem eu sou. Acho que a tese seria ‘Cura: fazer o seu caminho através da lama e encontrar um vislumbre de luz no final do túnel’. Eu não acho que estou livre de tudo isso ainda, mas agora que eu estou no final deste projeto, eu tenho um pé para fora da porta.

À medida que você envelhece, descobrir como cuidar de si mesmo se torna mais complicado. A música “Sweet Dream” é sobre lutar pelo seu direito ao descanso. Como é a sua relação com o sono?

Há muito tempo que luto com a minha relação com a noite. Dependo tanto da distração para sobreviver ao dia e seguir com a minha vida. Sempre que não há uma distração, tudo meio que aparece de uma vez porque eu não tenho nada para fazer além de deitar na cama e pensar sobre tudo o que já aconteceu comigo.

Imagino que os últimos meses tenham exacerbado isso.

Acho que isso acontecer todos os dias durante a pandemia, não ter nada para fazer a não ser pensar em pensamentos irracionais, chegou ao ponto em que eu estava tendo muita ansiedade e ataques de pânico todos os dias durante horas a fio. Tornou-se um ciclo porque significava que eu estava dormindo menos, o que levou a mais pânico. Senti como se eu tivesse aberto este portal que nunca iria fechar. A cura veio quando eu cheguei a um limite em que percebi que eu realmente precisava parar de tentar bancar a durona. Foi quando me rendi, por falta de um termo melhor. Comecei a fazer terapia e a tomar medicação. Eu acho que a cura é mais cíclica do que qualquer coisa. Eu estou em um lugar agora onde meus passos para trás não se sentem como um retrocesso.


Como você transita estando em uma fase de sua carreira onde você tem acesso aos recursos para trazer plenamente sua visão à vida?

Penso na vantagem que tenho como artista; quanto mais a tua equipe confia em você, mais você confia em si mesmo. Já faço isso há quase sete anos. Eu acho que é importante experimentar áreas em que eu não necessariamente cheguei antes, tanto para mim como para o meu público. Eu sempre me considerei uma artista de álbuns, e eu sempre adorei álbuns onde os artistas criam um universo inteiro com sua música. Agora, estou feliz por ter tempo e experiência para fazer isso.

É definitivamente algo que eu tinha que colocar em mim mesma. Quando você é jovem e está passando pelas emoções e tudo está acontecendo tão rápido, você tem medo de dizer não ou de se defender ou até mesmo compartilhar sua opinião. Sinto que estou num lugar onde posso confiar na minha voz e confiar em mim para falar e saber que serei ouvida, o que é muito importante.

“A cura veio quando cheguei a um limite em que percebi que precisava parar de bancar a durona.”

Como aprendeu a defender essa visão?
Pergunto-me se há algo que os seus fãs veem na sua música que o resto do mundo não vê.

Eu acho que a maneira como as pessoas me veem no mainstream é muito diferente da visão que vive dentro da minha base de fãs. Há um grande grupo de pessoas que nem sabe que ainda faço música. Se eu pudesse ser visto, ouvido e percebido por apenas [meus fãs], isso seria maravilhoso. Eu sei que eles confiam em mim e eu confio neles. Minhas canções estão mais seguras em suas mãos.