Nesta triste manhã de quarta-feira, a mensagem da campanha e da canção de Cara não poderia ser mais presciente. Durante a noite, depois de uma campanha eleitoral ofuscada em parte pela objetificação de mulheres feita por um candidato, a paisagem da política global mudou quando Donald Trump se tornou presidente eleito dos Estados Unidos. Esse evento é tão importante que ao invés de quebrar o gelo conversando sobre o clima, eu, assim como muitos ao redor do mundo, um britânico nascido de pais imigrantes, e Alessia, uma canadense com descendência italiana, estamos falando sobre isso estando há quilômetros de distância no leste de Londres.
“Todo mundo pergunta,” Cara responde quando eu pergunto se os amigos americanos dela perguntam se eles podem se mudar para o Canadá com ela. “Eu ouvi dizer que o site de imigração canadense caiu. Isso é louco. Eu nunca me senti tão feliz, ou tão sortuda, de ser canadense. Claro que eu me importo com o destino do EUA, e isso afeta meu país também, mas ao mesmo tempo eu estou contando minhas bênçãos.
Além do seu amor pelo seu país, a cantora se abriu para o Newsweek numa conversa honesta sobre feminismo, sua fã superstar Taylor Swift e mais.
Newsweek: O que passava pela sua mente quando você escreveu “Scars To Your Beautiful”?
Alessia Cara: Eu escrevi a música quando eu tinha 17 anos, parece que foi há uma eternidade… nós estávamos num porão-estúdio em Nova Jersey. Tinha uma TV na sala passando uma maratona de um programa sobre cirurgias plásticas que deram errado. Eu fiquei tipo: “por que as pessoas fazem isso?” Eles preferiram se machucar e passar por tudo aquilo só para poderem ser felizes consigo mesmos. Eu falei, “eu quero escrever uma música sobre isso”.
Eu canalizei minhas próprias inseguranças… Eu nunca iria à esse extremo para alterar meu corpo, mas alguns dias eu vou me olhar no espelho e vou me sentir muito desapontada com o que eu vejo. Eu tenho essa coisa: “eu preciso começar a malhar, eu preciso ser que nem tal pessoa”. É um sentimento universal, isso é muito triste. Eu queria falar por cima do barulho jogado em nós diariamente. Está mais do que na hora do mundo mudar sua perspectiva ao invés de nós termos que mudar a nós mesmos.
NW: A indústria da música pode ser muito superficial e você entrou nisso sendo muito jovem. Isso pode ser meio que um choque de cultura. Quais experiências você teve? E você as canalizou dentro da música?
AC: Por alguma razão, eu sou constantemente atacada nas redes sociais sobre como eu me visto. Eu nunca entendi isso. Tem sido bem difícil. Como uma mulher, e alguém jovem, eu ainda estou me formando e eu ainda tenho inseguranças. Eu sei como é minha aparência, eu sei quais são meus defeitos — eu não preciso que ninguém me diga isso.
Eu estou entrando no mundo da música muito obstinada… Eu acho que eu sou muito mais do que a minha aparência ou minha forma de me vestir. Eu sempre falo sobre isso para mostrar para as pessoas que essas coisas não importam. Eu já tive conversas desconfortáveis na indústria: “Talvez você devesse mudar seu cabelo, se vestir assim”. Essas conversas são sempre desconfortáveis. É só se manter no seu lugar. Por mais que eles tenham me deixado para baixo algumas vezes e me fizeram me sentir menos do que eu era, eu acho que eu sou muito melhor do que isso e eu sei do que sou capaz. Eu não estou aqui para ser boa para os seus olhos — eu estou aqui para dizer muito mais.
NW: Por que uma organização tipo I Am That Girl é tão importante para você e para garotas jovens?
AC: É uma organização formada por mulheres, para mulheres. O objetivo é ensinar às garotas a serem quem elas são, ao invés de ser quem o mundo quer que elas sejam — e é exatamente isso que “Scars To Your Beautiful” fala.
É um lugar seguro para as garotas falarem sobre qualquer coisa. Nada é tabu. Nesses tempos, coisas como menstruação, namoro ou sexo é tabu para as garotas e elas sentem que não podem falar sobre isso. I Am That Girl está aberta para isso.
NW: A narrativa da eleição dos EUA tem sido focada parcialmente nas atitudes de Donald Trump com as mulheres. Você sente que essa campanha é mais necessária agora do que nunca?
AC: É muito importante. Nesse ponto, nós realmente precisamos levantar uns aos outros… nós estamos vivendo em uma época muito assustadora. Nós não teremos nenhum progresso se não ajudarmos e amarmos uns aos outros, e isso começa conosco — é uma coisa bem democrática.
Eu acho que o mundo é muito mente-fechada às vezes e muito atrasado. Nós precisamos começar a abrir nossas mentes. A beleza vem de várias formas, não somente no exterior, mas também no interior.
NW: Quando você escuta alguém como Donald Trump dizendo que quer agarrar as mulheres “pela v****a”, e então é eleito para presidente, como isso faz você se sentir como feminista?
AC: É muito assustador. Você pensa que nós progredimos muito, que o mundo progrediu muito… e então você vê algo como isso e isso é um retrocesso muito grande. Você percebe que nós ainda temos muito trabalho a fazer. Algo tão assustador e horrível quanto um homem dizer isso e agora está em posição de poder, e isso é visto como normal? O fato de que isso foi deixado de lado como sendo uma “conversa de vestiário” é assustador porque isso foi visto como uma coisa muito casual. Ninguém está vendo a gravidade do que isso é de verdade. O fato de que isso é encoberto é aterrorizante.
NW: Você se preocupa com o efeito que essa atitude depreciativa vai ter numa geração mais nova de garotas crescendo na América nos próximos quatro anos?
AC: Trump representa não só a ele mesmo, mas ele representa uma geração de homens que acham que isso é certo. Eu não quero que nenhuma garota cresça achando que algo como isso está certo. Eu acho que muitas de nós nos sentimos derrotadas — e isso é uma coisa triste.
Só porque agora Trump é presidente, eu não acho que essa seja nossa deixa para parar de falar sobre isso. Nós precisamos lugar por mais direitos por causa disso. Eu não quero que ninguém se sinta derrotado.
NW: A palavra “feminista” tem uma reputação ruim. Você a abraça ou acha que ela é problemática?
AC: Eu definitivamente abraço essa palavra. A definição de “feminista” é igualdade para todos os gêneros. Não é dizer que mulheres são superiores, e não é anti-homens… é igualdade para as mulheres. Essa palavra se tornou contaminada por muitas razões e eu não entendo isso. Nós precisamos lutar por igualdade agora mesmo por causa de quem acabou de ser eleito… claramente as pessoas não estão vendo isso e esse não é um mundo com igualdade. Eu sou uma feminista e se você não é nesse ponto, você está atrasado e sua mentalidade precisa mudar.
NW: Você tem Taylor Swift como uma grande fã (Swift entrevistou Alessia em 2015). Ela, também, é uma feminista. Como ela te influenciou?
AC: Ela é uma chefona. Ela é uma ótima influência como artista nova e como mulher. Isso mostra que você pode ser a chefe do seu próprio mundo e carreira e ainda pode ser humilde. Você não precisa ser malvada ou arrogante sobre isso… ela é gentil com todo mundo, mas ainda é firme e sabe o que quer, e isso é uma coisa boa de se admirar na indústria.
NW: Alguns já criticaram Swift pelo seu “falso” feminismo, visto que seu videoclipe de “Bad Blood” supostamente alfineta a colega pop star Katy Perry. O que você acha sobre isso?
AC: Eu não tenho certeza se o clipe foi sobre isso. Muitos de nós gostamos de tornar as coisas no que nós achamos que elas são. Nenhum de nós realmente sabe a verdade.
Feminismo é uma coisa muito ampla e as pessoas gostam de escolher o que elas acham que é feminismo. Nós todos somos falhos e cometemos erros. Mas se você está mostrando para outras garotas que você pode estar no poder e deve ser empoderada, então isso é tudo que realmente importa.
NW: Taylor Swift é bem vinda para ir e morar com você no Canadá depois da eleição?
AC: Ela é definitivamente bem vinda. Ela me acolheu no palco dela, eu a acolho na minha casa.
NW: Recentemente você gravou “How Far I’ll Go”, escrita por Hamilton Creator Lin-Manuel Miranda para o filme Moana da Disney. Foi intimidador gravar a música dele?
AC: Meio que foi. Mas também foi ótimo. Eu nunca realmente cantei uma música que não tinha nada a ver comigo, eu não fiz parte do processo criativo. Ele foi muito legal — ele me deixou a interpretar do meu jeito. Foi uma honra cantar uma música e ser parte de um esforço colaborativo com alguém tão bem-sucedido como ele.
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